quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

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sábado, 21 de janeiro de 2012

ASCO GI 2012

Fim do congresso, de certa forma desapontador. Nenhuma grande novidade, e discussões confusas, com pouca relevância científica. Em alguns casos fica óbvio e constrangedor o conflito de interesses presente. De qualquer forma, foi notável a presença de muitos oncologistas brasileiros no evento. E muito importante também citar que a imensa maioria estava presente nas apresentações, já que em muitos congressos o turismo e as compras são mais valorizadas que a parte científica...
Na minha opinião, as apresentações mais importantes foram:

- Abstract LBA385
Estudo prospectivo randomizado que avaliou em pacientes com câncer colorretal avançado politratados o uso de regorafenib (um inibidor de tirosina-quinase multi-alvo, mas com atividade principal em VEGF). Apesar dos resultados não serem espetaculares, houve benefício significativo em sobrevida global para os pacientes que receberam a nova droga, em relação a placebo. Como não há outra opção no momento para pacientes que já receberam fluoropirimidinas, oxaliplatina, irinotecan, bevacizumabe e cetuximabe - justamente a população do estudo - novas drogas são benvindas na prática clínica. Em um momento em que os ganhos em sobrevida livre de progressão são superexplorados, ganhos significativos em sobrevida global não devem ser menosprezados.

- Abstract 386
Estudo prospectivo randomizado que avaliou a associação de 'brivanib alaninate' ao cetuximabe em pacientes com câncer colorretal metastático refratário a esquemas quimioterápicos contendo irinotecano e oxaliplatina. Comparado ao grupo que recebeu cetuximabe isolado, a associação da nova droga não demonstrou benefício significativo em sobrevida global (o desfecho primário). Apesar de um pequeno benefício observado em sobrevida livre de progressão, basicamente o estudo foi negativo. Uma pena, já que o racional biológico era interessante.

- Abstract 156
Avaliação econômica e de desfechos em pacientes com câncer de pâncreas ressecável - comparando cirurgia primeiro, versus combinação de quimioterapia e radioterapia neoadjuvantes. Demonstrou-se que o tratamento neoadjuvante (utilizando quimioterapia baseada em 5FU) é vantajoso tanto do ponto de vista financeiro quanto do ponto de vista clínico. Na minha opinião, muda minha conduta neste tipo de pacientes.

Para ver mais sobre as apresentações, sugiro o site do evento (http://gicasym.org/).
Gostaria de ler mais opiniões sobre os trabalhos apresentados, com críticas e novos pontos de vista.


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Location:San Francisco

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

De Rubem Alves, "Será que eu escapo dessa?"

Crônica publicada no Correio Popular, de Campinas-SP, acredito que em 2009. Não tenho a data exata, pois foi um paciente que leu, recortou e me entregou. Como achei muito relevante, gostaria de compartilhar com todos:


Meus leitores: Um médico do Conselho Federal de Medicina pediu-me que escrevesse um texto curto, a ser distribuído entre os médicos, sobre o médico diante de um paciente que vai morrer. Vai aí o texto e eu gostaria de saber como vocês  se sentiram, na cabeça e no coração. Obrigado.
Doutor, agora que estamos sozinhos quero lhe fazer uma pergunta: "Será que eu escapo dessa?" Mas, por favor, não responda agora porque sei o que o senhor vai dizer. O senhor vai desconversar e responder: "Estamos fazendo tudo o que é possível para que você viva." Mas, neste momento, não estou interessada  naquilo que o senhor e todos os médicos do mundo estão fazendo. Olhe, eu sou uma mulher inteligente. Sei a resposta para minha pergunta. Os sinais são claros. Sei que vou morrer.
O que eu desejo é que o senhor me ajude a morrer. Morrer é difícil. Não só por causa da morte mesma, mas porque todos, na melhor das intenções, a cercam de mentiras. Sei que na escola de medicina os senhores aprendem a ajudar as pessoas a viver. Mas haverá professores que ensinam a arte de ajudar as pessoas a morrer? Ou isso não faz parte dos saberes de um médico? Meus parentes mais queridos se sentem perdidos. Quando quero falar sobre a morte eles logo dizem: "Tira essa idéia de morte da cabeça. Você estará boa logo..." Mentem. Então eu me calo. Quando saem do quarto, longe de mim, choram.
Sei que eles me amam. Querem me enganar para me poupar de sofrimento. Mas são fracos e não sabem o que falar... Fico então numa grande solidão. Não há ninguém com quem eu possa conversar honestamente. Fica tudo num faz de contas...
As visitas vêm, assentam-se, sorriem, comentam as coisas do cotidiano. Fazem de contas que estão fazendo uma visita normal. Eu me esforço por ser delicada. Sorrio. Acho estranho que uma pessoa que está morrendo tenha a obrigação social de ser delicada com as visitas. As coisas sobre que falam não me interessam. Dão-me, ao contrário, um grande cansaço. Elas pensam que estou ali na cama. Não sabem que já estou longe. Sou  "uma ausência que se demora, uma despedida  pronta a cumprir-se..." Remo minha canoa no grande rio, rumo à terceira margem. Meu tempo é curto e não posso desperdiçá-lo ouvindo banalidades.  Contaram-me de um teólogo  místico que teve um tumor no cérebro. O médico lhe disse a verdade: "O senhor tem mais seis meses de vida..." Aí ele se virou para sua mulher e disse: "Chegou a hora das liturgias do morrer. Quero ficar só com você. Leremos juntos os poemas e ouviremos as músicas do morrer e do viver. A morte é o acorde final dessa sonata que é a vida. Toda sonata tem de terminar. Tudo o que é perfeito deseja morrer. Vida e morte se pertencem. E não quero que essa solidão bonita seja perturbada por pessoas que têm medo de olhar para a morte. Quero a companhia de uns poucos amigos que conversarão comigo sem dissimulações. Ou somente ficarão em silêncio."
Enquanto pude, li os poetas. Nesses dias eles têm sido os meus companheiros. Seus poemas conversam comigo. Os religiosos não me ajudam. Eles nada sabem sobre poesia. O que eles sabem são doutrinas sobre o outro mundo. Mas o outro mundo não me interessa. Não vou gastar o meu tempo pensando nele.  Se Deus existe, então não há por que me preocupar com o outro mundo, porque Deus é amor. Se Deus não existe, então, não há por que me preocupar com o outro mundo porque ele não existe e nada me faltará se eu mesmo faltar. Ah! Como seria bom se as pessoas que me amam me lessem os poemas que amo. Então eu sentiria a presença de Deus. Ouvir música e ler poesia são, para mim, as supremas manifestações do divino.
A consciência da proximidade da morte me tornou lúcida. Meus sentimentos ficaram simples e claros. O que sinto é tristeza porque não quero morrer e a vida é cheia de tantas coisas boas. Um amigo me contou que sua filha de dois anos o acordou pela manhã  e lhe perguntou: "Papai, quando você morrer você vai sentir saudades?" Foi o jeito que ela teve de dizer: "Papai, quando você morrer eu vou sentir saudades..."
Na cama o dia todo fico a meditar: "Nas escolas ensinam-se tantas coisas inúteis que não servem para nada. Mas nada se ensina sobre o morrer." Me diga, doutor: O que lhe ensinaram na escola de medicina sobre o morrer? Sei que lhe ensinaram muito sobre a morte como um fenômeno biológico. Mas o que lhe ensinaram sobre a morte como uma experiência humana? Para isso teria sido necessário que os médicos lessem os poetas. Os poetas foram lidos como parte do seu currículo? Nada lhe ensinaram sobre o morrer humano porque ele não pode ser dito com a linguagem da ciência.  A ciência só lida com generalidades. Mas a morte de uma pessoa é um evento único, nunca houve e nunca haverá outro igual. Minha morte será única no universo! Uma estrela vai se apagar. 
Nesse ponto seus remédios são totalmente inúteis. O senhor os receita como desencargo de consciência, para consolar a minha família, ilusões para dizer que algo está sendo feito. O senhor está tentando dar.  Não devia. Há um momento da vida em que é preciso perder a esperança. Abandonada a esperança, a luta cessa e vem então a paz.
E agora, doutor, depois de eu ter falado, me responda: "Será que eu saio dessa?" Então eu ficarei feliz se o senhor não me der aquela resposta boba, mas se assentar ao lado da minha cama e, olhando nos meus olhos, me disser: "Você está com medo de morrer. Eu também tenho medo de morrer..." Então poderemos conversar de igual para igual.
Mas há algo que os seus remédios podem fazer. Não quero morrer com dor. E a ciência tem recursos para isso. Muitos médicos se enchem de escrúpulos por medo que os sedativos matem. Preservam a sua consciência de qualquer culpa e deixam o moribundo sofrendo.  Mas isso é fazer com que o final da sonata não seja um acorde de beleza mas um acorde de gritos. A vida humana tem a ver com a possibilidade de alegria! Quando a possibilidade de alegria se vai, a vida humana se foi também.  E esse é o meu último pedido: quero que minha sonata termine bonita e em paz. Morrendo...
Rubem Alves

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Doadores de Sabedoria



Pacientes diagnosticados com doenças graves eternizam suas experiências e aprendizados, e nos ensinam a valorizar mais cada momento de nossas vidas. Vale muito a pena compartilhar esta iniciativa. Para saber mais:  www.doadoresdesabedoria.com.br

domingo, 13 de novembro de 2011

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Vacinas, cura do câncer e falsas esperanças

Novamente recebi questionamentos de pacientes sobre uma possível vacina que poderia curar o câncer, desenvolvida no Hospital Sirio Libanes. Tal informação se baseia em um e-mail que circula desde 2005 a respeito de uma eventual esperança de cura para pacientes com câncer avançado.
Tentando (e muitas vezes conseguindo) se aproveitar da boa vontade das pessoas - quase todos conhecem alguém que sofre com a doença - a mensagem nada mais é do que fraude, spam e mentiras.
Transcrevo a mensagem repassada, que se inicia com um sugestivo "ESSA EU REPASSO COM MAIOR PRAZER, E ESPERO QUE VOCÊ FAÇA O MESMO, REPASSE A TODOS OS SEUS CONTATOS":
Vacina anti-câncer RINS E PELE
Boas notícias são para partilhar.
Já existe vacina anti-câncer (pele e rins). Foi desenvolvida por cientistas médicos brasileiros,uma vacina para estes dois tipos de câncer, que se mostrou eficaz, tanto no estágio inicial como em fase mais avançada.
A vacina é fabricada em laboratório utilizando um pequeno pedaço do tumor do próprio paciente. Em 30 dias está pronta, e é remetida para o médico oncologista do paciente.
Nome do médico que desenvolveu a vacina:José Alexandre Barbuto
Hospital Sírio Libanês - Grupo Genoma.
Telefone do Laboratório: 0800-7737327 - (falar com Dra. Ana Carolina ou Dra.. Karyn, para maiores detalhes)
www.vacinacontraocancer.com.br
Isto sim é algo que precisa ser repassado..........
Alguém pode estar precisando !!!!!
Por favor, divulguem esta vitória da medicina genética brasileira!!!!

Como o Hospital Sirio Libanes de São Paulo, instituição com alta credibilidade científica, foi utilizado como suposta fonte da informação, já na época foi emitida uma nota de esclarecimento, que também transcrevo abaixo:

"Nota de esclarecimento sobre vacina contra o câncer
Em razão da notícia que está circulando na Internet, a respeito de uma vacina para tratamento de pacientes com câncer, o Hospital Sírio-Libanês apresenta os seguintes esclarecimentos: Nunca houve qualquer relacionamento comercial entre o HSL, ou qualquer médico do Centro de Oncologia, e a empresa que está comercializando esta vacina. O HSL, seguindo sua vocação para o desenvolvimento de novas terapias, participou da pesquisa da vacina, contando inclusive com patrocínio oficial da FAPESP (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo). Os estudos foram acompanhados pelo Comitê de Ética e conduzidos de acordo com o código de boas práticas médicas. Os resultados da pesquisa mostram um grau de atividade limitado, beneficiando temporariamente apenas um pequeno número de pacientes. Até o presente momento não há qualquer evidência de cura que possa ser atribuída a estas vacinas. Baseados nos resultados, o grupo de oncologia do HSL considera que estudos adicionais são de interesse, mas que não há, ainda, dados suficientes para se prescrever esta modalidade de tratamento de forma geral. Portanto, ele não está sendo prescrito ou aplicado no Centro de Oncologia do HSL. Para evitar descontinuidade, pacientes em tratamento com a vacina deverão discutir suas opções com seu oncologista.
Atenciosamente,
Dr. Dário Birolini
Diretor Clínico"

Busquei pessoalmente mais informações sobre o médico e a pesquisa realizada. Dr. José Alexandre Marzagão Barbuto é medico registrado no CREMESP em 1982, com foto, endereço, especialidade e e-mail não autorizados para divulgação. Pesquisa por artigos com autoria ou co-autoria deste médico em bases de dados de publicações (PubMed) mostra um número razoável de publicações (36), a maioria delas sobre estudos pré-clínicos - com culturas de células, animais ou tecidos vivos. Especificamente sobre o tema, há dois artigos publicados, em 2003 e 2004, que cito abaixo:

1. Artigo em que é relatado um caso de um paciente com câncer de rim, e que após ressecção de uma recidiva foi feita aplicação da vacina de células dendríticas. O paciente após seis meses apresentou novas lesões metastáticas, que não responderam a quimioterapia. O paciente evoluiu a óbito, posteriormente, por progressão da doença - não foi informado quanto tempo após. O artigo foi publicado em uma revista brasileira, com circulação internacional - a International Braz J Urol , revista oficial da Sociedade Brasileira de Urologia. O resumo pode ser encontrado aqui.

2. Artigo em que são relatados resultados de uma séria de casos de pacientes com melanoma e câncer renal, tratados com a vacina de células dendríticas. Foram 39 pacientes tratados, e em apenas dois deles houve alguma regressão de volume tumoral, temporariamente. O tempo mediano para progressão da doença foi de 4 meses nos pacientes com melanoma, e 5,7 meses nos pacientes com câncer renal. Não está relatada o tempo de vida does pacientes. O resumo pode ser encontrado aqui.

Em conclusão, as pesquisas publicadas aparentemente são sérias. Mas os resultados do ponto de vista clínico são irrelevantes. Mais estudos deveriam ser feitos, com melhores resultados, antes de se recomendar na prática.

 Apesar de ter recebido alguma divulgação na época (2005) por instituições respeitáveis, é importante ressaltar que não há nenhuma evidência de cura com este tipo de tratamento. O uso desta terapia é altamente questionável do ponto de vista médico. Mas do ponto de vista financeiro, é altamente rentável: para proceder com esta terapia, algum profissional retira o tumor cirurgicamente e a partir dele uma empresa produz a vacina, sendo que cada dose custava mais de R$3.500 (em 2005). Não tenho informações de quanto custaria hoje. Alegadamente seriam necessárias no mínimo duas doses.

Importante: solicito que que receber este e-mail não o repasse, pois estará divulgando falsas notícias, falsas esperanças e ajudando a divulgar um embuste, com interesses comerciais.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Quimioterapia em altas doses e transplante de medula óssea em mulheres com câncer de mama

Já foi moda nos Estados Unidos, após resultados de estudos iniciais. No Brasil houve muitos oncologistas que recomendavam às suas pacientes. Hoje não é mais realizado rotineiramente, após resultados de estudos mais consistentes.
Pacientes com câncer de mama sem metástases à distância, operadas, mas com alto risco de recidiva têm indicado tratamento pós operatório com quimioterapia e eventualmente hormonioterapia. Para tentar aumentar a eficácia desse tratamento, e tentar diminuir o risco de metástases durante o acompanhamento posterior, pesquisadores na década de 1990 sugeriram que bastava aumentar a dose da quimioterapia, até níveis máximos. Para que não houvesse falência da produção de sangue novo (com anemia, plaquetopenia e leucopenia irreversíveis) com essa quimioterapia em dose máxima, era necessário guardar armazenar células da medula óssea da paciente, e reinjetá-las após o tratamento. Esse procedimento é chamado "quimioterapia em altas doses e transplante de medula óssea".
Funciona bem em pacientes com determinados tipos de linfomas e leucemias.
Mas um estudo publicado nesta semana no Journal of Clinical Oncology, a mais respeitada revista científica na área de oncologia, confirmou através de uma metanálise de 15 estudos publicados, com mais de 6000 pacientes, que esta prática é inútil, e muito mais tóxica que o tratamento convencional, quando feita em pacientes com câncer de mama.
É bom saber que no início era até difícil incluir pacientes nos estudos, já que nas pesquisas as pacientes eram sorteadas para fazer ou o tratamento convencional, ou a quimioterapia em altas doses (com 50% de chance de cair em cada grupo). E poucas mulheres na época aceitavam a chance de não receber o novo tratamento. Achavam que o risco do câncer de mama voltar seria muito maior,se fizessem o tratamento convencional.  Há inclusive um excelente livro (infelizmente, encontrei apenas uma edição em inglês, aqui) sobre a falsa esperança dada pela novidade, aliada à falta de responsabilidade dos médicos na época, que recomendavam um tratamento sem evidências claras e confiáveis de benefício.
O tema não é novo, e as notícias não são boas. No entanto, a publicação deste artigo nos traz novamente a reflexão sobre como é importante fazer uma avaliação crítica das novidades médicas, os modismos, e a falta de preparo da comunidade médica em lidar com controvérsias.
Quem quiser, poder ver um resumo do artigo, em inglês, aqui.