terça-feira, 20 de setembro de 2011

Vacinas, cura do câncer e falsas esperanças

Novamente recebi questionamentos de pacientes sobre uma possível vacina que poderia curar o câncer, desenvolvida no Hospital Sirio Libanes. Tal informação se baseia em um e-mail que circula desde 2005 a respeito de uma eventual esperança de cura para pacientes com câncer avançado.
Tentando (e muitas vezes conseguindo) se aproveitar da boa vontade das pessoas - quase todos conhecem alguém que sofre com a doença - a mensagem nada mais é do que fraude, spam e mentiras.
Transcrevo a mensagem repassada, que se inicia com um sugestivo "ESSA EU REPASSO COM MAIOR PRAZER, E ESPERO QUE VOCÊ FAÇA O MESMO, REPASSE A TODOS OS SEUS CONTATOS":
Vacina anti-câncer RINS E PELE
Boas notícias são para partilhar.
Já existe vacina anti-câncer (pele e rins). Foi desenvolvida por cientistas médicos brasileiros,uma vacina para estes dois tipos de câncer, que se mostrou eficaz, tanto no estágio inicial como em fase mais avançada.
A vacina é fabricada em laboratório utilizando um pequeno pedaço do tumor do próprio paciente. Em 30 dias está pronta, e é remetida para o médico oncologista do paciente.
Nome do médico que desenvolveu a vacina:José Alexandre Barbuto
Hospital Sírio Libanês - Grupo Genoma.
Telefone do Laboratório: 0800-7737327 - (falar com Dra. Ana Carolina ou Dra.. Karyn, para maiores detalhes)
www.vacinacontraocancer.com.br
Isto sim é algo que precisa ser repassado..........
Alguém pode estar precisando !!!!!
Por favor, divulguem esta vitória da medicina genética brasileira!!!!

Como o Hospital Sirio Libanes de São Paulo, instituição com alta credibilidade científica, foi utilizado como suposta fonte da informação, já na época foi emitida uma nota de esclarecimento, que também transcrevo abaixo:

"Nota de esclarecimento sobre vacina contra o câncer
Em razão da notícia que está circulando na Internet, a respeito de uma vacina para tratamento de pacientes com câncer, o Hospital Sírio-Libanês apresenta os seguintes esclarecimentos: Nunca houve qualquer relacionamento comercial entre o HSL, ou qualquer médico do Centro de Oncologia, e a empresa que está comercializando esta vacina. O HSL, seguindo sua vocação para o desenvolvimento de novas terapias, participou da pesquisa da vacina, contando inclusive com patrocínio oficial da FAPESP (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo). Os estudos foram acompanhados pelo Comitê de Ética e conduzidos de acordo com o código de boas práticas médicas. Os resultados da pesquisa mostram um grau de atividade limitado, beneficiando temporariamente apenas um pequeno número de pacientes. Até o presente momento não há qualquer evidência de cura que possa ser atribuída a estas vacinas. Baseados nos resultados, o grupo de oncologia do HSL considera que estudos adicionais são de interesse, mas que não há, ainda, dados suficientes para se prescrever esta modalidade de tratamento de forma geral. Portanto, ele não está sendo prescrito ou aplicado no Centro de Oncologia do HSL. Para evitar descontinuidade, pacientes em tratamento com a vacina deverão discutir suas opções com seu oncologista.
Atenciosamente,
Dr. Dário Birolini
Diretor Clínico"

Busquei pessoalmente mais informações sobre o médico e a pesquisa realizada. Dr. José Alexandre Marzagão Barbuto é medico registrado no CREMESP em 1982, com foto, endereço, especialidade e e-mail não autorizados para divulgação. Pesquisa por artigos com autoria ou co-autoria deste médico em bases de dados de publicações (PubMed) mostra um número razoável de publicações (36), a maioria delas sobre estudos pré-clínicos - com culturas de células, animais ou tecidos vivos. Especificamente sobre o tema, há dois artigos publicados, em 2003 e 2004, que cito abaixo:

1. Artigo em que é relatado um caso de um paciente com câncer de rim, e que após ressecção de uma recidiva foi feita aplicação da vacina de células dendríticas. O paciente após seis meses apresentou novas lesões metastáticas, que não responderam a quimioterapia. O paciente evoluiu a óbito, posteriormente, por progressão da doença - não foi informado quanto tempo após. O artigo foi publicado em uma revista brasileira, com circulação internacional - a International Braz J Urol , revista oficial da Sociedade Brasileira de Urologia. O resumo pode ser encontrado aqui.

2. Artigo em que são relatados resultados de uma séria de casos de pacientes com melanoma e câncer renal, tratados com a vacina de células dendríticas. Foram 39 pacientes tratados, e em apenas dois deles houve alguma regressão de volume tumoral, temporariamente. O tempo mediano para progressão da doença foi de 4 meses nos pacientes com melanoma, e 5,7 meses nos pacientes com câncer renal. Não está relatada o tempo de vida does pacientes. O resumo pode ser encontrado aqui.

Em conclusão, as pesquisas publicadas aparentemente são sérias. Mas os resultados do ponto de vista clínico são irrelevantes. Mais estudos deveriam ser feitos, com melhores resultados, antes de se recomendar na prática.

 Apesar de ter recebido alguma divulgação na época (2005) por instituições respeitáveis, é importante ressaltar que não há nenhuma evidência de cura com este tipo de tratamento. O uso desta terapia é altamente questionável do ponto de vista médico. Mas do ponto de vista financeiro, é altamente rentável: para proceder com esta terapia, algum profissional retira o tumor cirurgicamente e a partir dele uma empresa produz a vacina, sendo que cada dose custava mais de R$3.500 (em 2005). Não tenho informações de quanto custaria hoje. Alegadamente seriam necessárias no mínimo duas doses.

Importante: solicito que que receber este e-mail não o repasse, pois estará divulgando falsas notícias, falsas esperanças e ajudando a divulgar um embuste, com interesses comerciais.